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Conta-me histórias é um blog onde vos mostro alguns dos meus trabalhos e onde podemos falar de tudo um pouco. Apresenta certos assuntos que acho relevantes e interessantes, sempre aberta a conselhos da vossa parte no sentido de o melhorar. Obrigado pela vossa visita. Fico à espera de muitas mais.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Carta ao meu pai


Olá pai,
quero acreditar que onde queres que estejas, vais ler esta carta. Amanhã faz precisamente 18 anos que partiste. Embora pense mais no teu dia de anos do que no dia da tua partida, hoje, não sei porquê, dei por mim a pensar que amanhã faz precisamente 18 anos que te dei o último beijo, que falaste comigo pela última vez. Sim, que tu falaste comigo, porque eu falo contigo todos os dias, na esperança que me ouças ou que sintas o quanto gosto de ti e sinto a tua falta. Esse dia foi o pior de toda a minha vida. O que pensava apenas acontecer aos outros, aconteceu-me a mim. O meu ídolo morreu, saiu de cena sem aviso, deixando apenas uma dor quase insuportável. Andei perdida por muitos anos. Tomei todo o tipo de decisões, nem sempre as melhores. Sem direito a despedidas, deixaste-me apenas o que tento passar aos meus filhos: um amor incondicional e desinteressado, o gosto pela liberdade e pelo bem estar comum, e o humor atrás do qual te escondias quando a vida te pregava rasteiras. Quero que saibas que este ultimo gene continua vivo: o teu neto é um verdadeiro comediante, às vezes até demais. Sabias que até a letra dele se assemelha à tua? Sempre gostei da tua letra. Só me irritava quando era impossível de copiar para assinar os testes negativos que trazia da escola. Mas eu não precisava de esconder isso de ti. De qualquer forma era impossível, porque embora parecesses distante e distraído, sabias tudo o que se passava comigo. Ainda hoje, procurando no meio das tuas coisas por uma parte de ti, encontro um lembrete de uma reunião escolar. Reunião à qual nunca chegaste a ir. Nesse dia tive a penosa tarefa de ligar para a escola e informar a directora de turma de que já não tinha pai. De que ninguém no mundo poderia substituir o meu encarregado de educação.
Hoje não choro como então. Hoje assumo que embora a dor lá esteja, não me sufoca como antes. O que tantas vezes julguei impossível, realmente aconteceu: o tempo curou algumas feridas e aliviou o meu sofrimento. Mas a raiva, essa teima em aparecer muitas vezes. O sentimento de injustiça já me levou algumas vezes a querer trocar de lugar contigo. Sei que agora estás a chamar-me de egoista. Como posso eu querer trocar contigo a dor de perder um pai, pela dor de perder uma filha? Desculpa o egoísmo, mas é mais forte do que eu.
18 anos é muito tempo. Nem acredito que já não conversamos há quase duas décadas. Muita coisa aconteceu, muita gente partiu, muita gente nasceu, todo o tipo de lágrimas me correram pelo rosto.Lágrimas de tristeza, de alegria, de traição, de desalento. As que derramei por ti, foram sem dúvida as mais dificéis de suportar. Sonhei muitas vezes contigo e em todos os meus sonhos, estavas vivo e feliz. Uma noite sonhei que recebi a noticia de que estavas vivo e a viver perto da minha casa. Corri para a tua nova morada. Queria abraçar-te, queria matar as saudades que tinha, mas apenas me recebeste com o sorriso de quem me tinha visto poucas horas antes. Não deste grande importancia à minha ansia e acordei confusa. Nada daquilo fazia sentido. Quero acreditar que estás comigo sempre e talvez por isso, não sintas tanto a minha falta como eu a tua. E os teus netos? Já viste como são lindos? Mais uma vez a sensação de injustiça instala-se no meu coração. Quem foi que disse que podias partir sem conhecer os teus netos? Penso muitas vezes que serias o melhor avô do mundo. Imagino-te a levar o meu filho à pesca, ensinando-o a empatar anzois como fazias comigo. Imagino-te a fazeres os teus trabalhos em madeira, sob o olhar curioso deles, aos quais responderias que estavas a fazer "colheres". Imagino tudo isto e muito mais, com a tristeza de quem sabe que isso nunca vai acontecer. Sempre que posso, trago um pouco de ti para junto deles. Conto algumas das tuas histórias, para que se "lembrem" de ti. Mas nada te ilustra. Só quem te conheceu pode medir quem eras. Para os outros, não sei, mas para mim, foste o melhor pai que alguém podia ter. Não admira que o meu mundo tenha desabado quando partiste. O meu chão fugiu debaixo dos meus pés e depois de cair de joelhos, tive que reconstruir tudo à minha volta. Fiz o melhor que pude e que sabia. Tenho noção que podia ter feito melhor. Mas também sei que sou uma sobrevivente e que essa foi a melhor herança que me podias ter deixado. Obrigado por teres feito parte da minha vida, foi sem dúvida um previlégio ter-te conhecido. Espero que encontres espaço na tua alma para sentires um pouco de orgulho nesta filha que te ama e que nunca te vai esquecer. Sabes, durante muito tempo tive medo da solidão. Talvez a tua saída de cena tão repentina o tenha provocado. Recentemente ouvi uma frase que julgo ter um pouco de uma mensagem que me pudesses ter passado: "Já tive medo da solidão, mas agora receio mais viver rodeada de pessoas que me fazem sentir só." Pensando bem, muitas vezes me encontrei assim, sentindo-me como um ser estranho no meio de pessoas que me fazem sentir numa solidão imensa. Mas depois penso em ti e sei, sem sombra de dúvidas, que pelo menos por 17 anos da minha vida não estive só. Existiu pelo menos uma pessoa que me amou, amparou e que fez de tudo para que fosse feliz.  Só me resta agarrar a esse tempo e recordá-lo todos os dias na esperança de que a solidão não se meta comigo.
Estou com alguma dificuldade em terminar esta carta. Embora não tenha resposta, falar contigo faz-me sentir-te presente. Mas ambos sabemos que tudo tem um fim e esta carta não será excepção.
Adoro-te.

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