Bem vindos!

Conta-me histórias é um blog onde vos mostro alguns dos meus trabalhos e onde podemos falar de tudo um pouco. Apresenta certos assuntos que acho relevantes e interessantes, sempre aberta a conselhos da vossa parte no sentido de o melhorar. Obrigado pela vossa visita. Fico à espera de muitas mais.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O que poderia ser, mas não foi



Somos pequenos demais para entender as voltas do destino. Somos prematuros quando sentimos que sabemos o que a vida nos reserva. Não. Nunca poderia imaginar que precisávamos de viver tanto para compreender o nosso amor. Não acreditaria se me dissessem que teria de passar tantos anos longe de ti para compreender a dimensão do nosso afecto. A nossa união só pode ter sido acordada num plano astral divino e incompreensível ao olhar humano.
Nunca, nem no meu sonho mais inacreditável entenderia que o nosso primeiro beijo me ligaria a ti desta forma. Tu andavas à deriva, procurando desesperadamente fugir a uma família que tudo te dava menos conforto emocional. Eu, recém órfã de pai, empurrada para uma vida que não queria e que me desamparava a cada passo do caminho. Dois ingredientes perfeitos para um cenário de paixão apenas possível de ser traduzido com gestos de ternura. Vivemos grandes aventuras, percorremos quilómetros fugindo a uma realidade apenas compreendida por nós. Aos olhos dos outros éramos loucos por sair do conforto do lar rumo a um futuro incerto e pouco promissor. Mas assim foi e em tempo de adolescência rumamos ao nosso paraíso sem medo do mundo. Sim, o amor e uma cabana. Sem mais nada para além do que sentíamos um pelo outro. Quis a vida forçar o destino a trazer-nos à realidade dos comuns mortais e tornar-nos ovelhas iguais às demais. Uma casinha, dois empregos, uma vida de consumismo e de correria. Os sonhos foram adiados, os projectos substituídos em nome da normalidade e do bem-estar. Não do nosso, mas do dos outros. Daqueles que diziam que a nossa relação não duraria três meses. Mas durou, durou até três anos. Altura em que eu me esforçava por te mostrar que era uma mulher exemplar e que tu me fazias ver que ainda era cedo para assentar e tornarmo-nos sérios e responsáveis.
Uma altura propícia para a tentação se instalar no nosso grupo de amizades, no nosso sofá e por fim na nossa cama. Foste o meu primeiro amor e aquele que me deu a provar pela primeira vez o gosto amargo da traição.
Sofri por todos os poros. Sofri do mesmo modo como te amava. Longa e profundamente. Confusa e perdida, só tinha duas opções para lidar com a situação: odiar-te ou amar-te de morte. Ensinaste-me a ver o mundo, ensinaste-me a voar alto, ensinaste-me a não ter medo de ser feliz, ensinaste-me a enfrentar o futuro que julgava não existir. Nunca me ensinaste a odiar-te. E nesse momento de dor profunda parecido com um luto sem corpo, fiz o que sabia fazer melhor. Amei-te ainda mais e abri mão de ti. Sabia, mesmo sem me aperceber, que apenas na liberdade existe o amor verdadeiro.
Ironia do destino ou vontade do Universo, a promessa de aventura que te fizeram foi uma fraude. E de repente, ali estavas tu a pensar na última vez que te tinhas sentido feliz, seguro, amado. Os meus olhos vieram-te à lembrança, o meu abraço fez-te falta, a minha boca ainda te beijava sempre que sonhavas. Eu tinha que voltar a ser tua. Mas será que ainda havia tempo? Tinhas que tentar. Tinhas que ter certeza de que o teu pecado tinha perdão.
Não havia nada a perdoar pois não tinha existido condenação. A dor da tua perda apenas me tinha deixado espaço no coração para um vazio impossível de preencher por outro. Só tu, apenas tu poderias ocupar o lugar vago da minha infelicidade.
E assim, como uma fénix que se ergue das cinzas, permiti que a vida fizesse sentido novamente e deixei-te regressar como se tivesses apenas saído por um breve momento. Sem represálias, sem perguntas, sem condições.
Mais três anos volvidos, foi a minha vez de querer ver o mundo para além dos teus braços. A nossa relação tinha-se tornado uma poça de água estagnada. A vida não podia ser só o que tínhamos. Iludida pensei que ainda não sabia tudo o que havia para saber em relação ao amor. Como estava enganada. Como fui cega em não perceber que o amor era assim mesmo: uma constante e frágil construção que não pode ser abalada por meras ilusões carnais ou por aventuras instantâneas.
Deixei-te, confesso, com um gosto mórbido de uma doce vingança adiada. Agora sim estávamos quites. Ou será que não? Ou será que foi tudo um adiar de sentimentos e da vida que poderia ter sido?
Apenas sei que nos doze anos que se passaram depois disso, a nossa vida passou a ser a vida de outros. O amor que sentíamos um pelo outro foi dividido por outros e multiplicou-se por outras vidas que desconhecem o sentimento que nos une, mas que mesmo assim fazem parte desse começo, desse primeiro beijo. Soube disso há um mês atrás quando atendi o telefone e ouvi a tua voz, passado tanto tempo. Sei disso hoje, quando me dizes “oi” através do Facebook. Saberei disso para sempre, quando tudo o que vivemos vem ao de cima sempre que penso em ti. Que nome se dá a uma união assim? Ao fim de tanto tempo, ainda sinto o teu cheiro, o teu toque, o teu sorriso ainda me apaixona.
É como se a tua imagem me elevasse ao mais alto patamar dos sentidos, abrindo-me a porta num regresso a casa adiado pelas malhas do destino.
Hoje, passados doze anos, encontro-me contigo longe de tudo o que nos fez quem somos agora, trocando fotografias dos nossos filhos. Os filhos que são nossos, mas dos outros. As memórias que trocamos são com outros seres que nos apanharam pelo caminho e do que restava fizeram novas famílias, novas vidas a que chamam suas. E as nossas? Onde estão as nossas vidas?
Percebemos entre risos nervosos que criamos os filhos dos outros e tivemos os nossos próprios filhos. Ela já tinha uma filha e ele também. Acolhemos os filhos dos outros como nossos e no caminho ainda fomos pai e mãe. Como foi semelhante a nossa história depois do adeus. Disse-te que nunca imaginei ver-te a criar um filho que não fosse teu. Respondeste que nunca conheci na realidade quem tu eras. Se calhar tinhas razão. Será que me conheceste a mim? Pensando bem, que interesse tem isso agora?
Não sei o que pensar deste nosso reencontro. Confesso que vim aqui sem querer, mas querendo. Bastou uma simples frase para mexeres de novo no meu mundo e desarrumares a sala dos meus sentimentos. “Estou em Lisboa.”
O meu tradutor emocional leu “Estou aqui. Bem perto e ainda penso em ti.” Será que me enganei? Será que agora que estamos ambos divorciados de uma vida que não era a nossa, sentimos falta do que parecia morto há tanto tempo? Será que a solidão nos toldou o juízo?
Seja o que for as horas estão a passar como minutos e cada vez é mais difícil sair de perto de ti. Pelo meio de conversa de conveniência, os nossos olhares cruzam-se como se tivéssemos medo de nos enfrentar. Ambos sabemos o que pode acontecer se nos fitarmos por muito tempo. Até que acontece o mais temido: acabou o assunto trivial e incómodo para dar lugar a um silêncio cheio de cumplicidade. Baixas a cabeça e suspiras fundo, como quem procura todo o oxigénio dentro do corpo para soltar um grito abafado pelo tempo. O meu coração acelera o ritmo, como se o botão de pânico tivesse sido activado. Levantas a cabeça e fixas os teus olhos nos meus. É essa a tua arma mais letal e tens consciência disso. Quantas vezes dei por mim perdida nesses olhos. Desta vez não foi excepção. Vejo que os anos não te fizeram perder o jeito de felino. Fascina-me o modo como imobilizas a preza apenas com um olhar. Sinto a cada batida do meu coração que podes atacar a cada momento.
“Senti muito a tua falta.”
O meu silêncio incomoda. Tento parecer distante, mas na verdade estou petrificada. Já fazia algum tempo que não ouvia algo tão simples e ao mesmo tempo tão forte. E agora? Devo retribuir? Devo fugir? Devo simplesmente entregar-me ao desejo de me sentir desejada, ao fim de tanto tempo? De repente sou outra vez menina assustada e frágil, louca de desejo pelo meu primeiro amor.
As minhas dúvidas, os meus medos, tudo se dissipou como fumo ao vento no momento em que a sua mão tocou a minha. Sim, tudo fazia sentido. Aquele era sem dúvida o amor que eu tinha posto em espera durante todos estes anos. Aquele foi o amor do qual eu me privei, acreditando que tinha feito as melhores escolhas.
“Também senti a tua falta. Mais do que pensava.”
“O que fazemos agora?”
A vida ensina constantemente que existem gestos que dispensam qualquer palavra. Nada mais havia a fazer se não beijá-lo e acreditar que tinha realmente regressado a casa. Ainda hoje me surpreendo com a energia que é gerada por um beijo. Senti-a percorrer o meu corpo de um extremo ao outro. Regressei àquela rua onde o tinha beijado pela primeira vez numa noite fria de Outubro. Confirmei que não foi o frio que me fez vibrar dessa vez. Tal como não era agora. Era a energia pura e certeira do cupido. A mão de Deus a abençoar uma relação que foi combinada nos céus. O reencontro de duas almas gémeas que se amavam num plano incompreensível ao comum mortal.
Que se dane o mundo, que se dane o politicamente correcto e o que os outros entendem como normal. O racional não era chamado para o momento. A mente era agora um empecilho de que a alma precisava urgentemente de se libertar. Aqui, no agora, apenas há espaço para os nossos corpos nus e famintos de afecto. A saudade deu lugar a um banquete de pecados. Nada pode contra o amor que sentimos um pelo outro. Nem a distância física, nem a temporal nos privou de nos reencontrarmos. O que aconteceu até ao mais comovente dos poetas deixou sem palavras. Foi amor do mais puro que Deus criou.
“Só volto para a vida se a vida for ao teu lado. Caso contrário fico aqui para sempre deitado, abraçado a ti. Não tens noção das vezes que sonhei com este reencontro. Não podes imaginar o esforço que tive de fazer para não largar tudo e vir a correr à tua procura.”
“Não valia de nada. Agora entendo que ambos precisávamos de espaço e tempo para crescer. Não há nada que eu queira mais neste momento do que ficar ao teu lado, mas…”
“Mas…”
“Mas, achas que conseguimos mesmo voltar ao que éramos?”
“Não. Acho que depois de tudo o que passamos, vamos conseguir muito mais.”