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Conta-me histórias é um blog onde vos mostro alguns dos meus trabalhos e onde podemos falar de tudo um pouco. Apresenta certos assuntos que acho relevantes e interessantes, sempre aberta a conselhos da vossa parte no sentido de o melhorar. Obrigado pela vossa visita. Fico à espera de muitas mais.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

O Homem Livre

Era uma vez o país Perfeito. Neste país não nasciam pessoas doentes ou inválidas. Todos eram Perfeitos. Pelo menos era isto que todo o resto do mundo achava. A verdade é que o destino dos que nasciam com algum tipo de deficiência, era a morte ou o abandono num qualquer "saco depositário". Este era o nome dado aos enormes armazéns que se encontravam debaixo do chão do país Perfeito. Era lá que toda a população que não apresentava as características certas aos olhos da sociedade, era "depositada". Os pobres também faziam parte desta população. Eram eles que tomavam conta dos idosos, dos deficientes, dos órfãos e de todos os que não tinham a imagem certa. "Os Indesejados", como eram conhecidos, viviam no submundo, debaixo dos pés dos Perfeitos. Para se ser Perfeito existia um requisito imprescindível, ter nascido numa família abastada, de onde provinha um leque de oportunidades. Desde crianças que eram educados no sentido de viver confortavelmente. O dinheiro era algo que todos tinham e como tal, nem precisavam de trabalhar. 
Os pobres tratavam dos "Indesejados" e faziam todo o trabalho indispensável à vida de qualquer ser humano: pescavam, cultivavam campos, criavam gado, faziam limpezas, cozinhavam e tratavam das mansões dos perfeitos. Os únicos pagamentos que recebiam era uma ração alimentar diária e o direito de respirar. 
Certo dia os Perfeitos começaram a adoecer misteriosamente. Um atrás do outro, morriam sem explicação. O sintoma comum a todos eles, era a apatia. Fitavam o horizonte como se lhes tivessem desligado o interruptor da vida. Depois de dias naquele estado, sem comer, sem falar, suspiravam pela ultima vez e morriam. Depressa a população dos Indesejados começou a aumentar e a dos Perfeitos, a diminuir.
Alarmados e temendo a completa extinção, tinham que agir depressa em prol da sua sobrevivência. Mas o que fazer? Pensar, estudar formas de resolver problemas ou mesmo lutar pela sobrevivência era coisa de pobre, de Indesejado. Mas algo tinha que ser feito.
Decidiram fazer uma observação cuidada do submundo. Descobriram que os Indesejados tinham construído engenhos de sobrevivência, manuais de ensino, remédios para todas as maleitas e uma série de coisas úteis e indispensáveis à vida. Na verdade um conjunto de coisas que os rodeava, mas que nunca se tinham dado ao trabalho de perceber. Para quê o esforço? Isso era trabalho. Trabalho era algo que os Perfeitos nunca faziam. A sua vida resumia-se a passear, ir a festas, ver televisão, jogar jogos de computador e dormir. Tentaram tirar algumas destas coisas aos Indesejados, mas era sol de pouca dura. Assim que um medicamento acabava ou uma máquina se avariava, não sabiam como produzir algo igual ou semelhante para prolongar o uso. Os Indesejados mantinham as formulas e segredos de construção, muito bem escondidos. Tudo era passado de geração em geração e a única regra que seguiam à risca era o sigilo. Nenhum Perfeito podia conhecer os segredos dos seus antepassados. Na verdade, muitos deles nasciam já a saber fazer muita coisa. O poder do conhecimento corria-lhes nas veias e revestia-lhes os genes.
Mesmo que fossem obrigados a revelar os segredos, o tempo escasseava para os Perfeitos. Cada vez eram menos e nem os remédios dos Indesejados pareciam ter efeito prolongado. 
Entre o país dos Perfeitos e o submundo dos Indesejados, existia apenas uma outra espécie, ou o que restava dela. Um homem, um único homem que resistia ao longo dos anos. Vivia no cume de uma montanha e raramente de lá saía. Este homem pertencia a uma tribo antiga e muito sábia: os Livres. Tinha a particularidade de se relacionar tanto com Perfeitos como com Indesejados. Passeava pelos dois mundos sem compromissos ou problemas. De passo decidido e de olhar confiante, possuía o dom da liberdade. Parecia não precisar de ninguém, nem de nada para sobreviver. E o seu sorriso constante, mostrava que possuía o maior bem de todos: era feliz. 
O Presidente do pais dos Perfeitos procurou-o para que o ajudasse a resolver o problema da doença misteriosa. Sentado na sua poltrona velha e gasta, junto da lareira da sua humilde casa, o Homem Livre sorria e acenava com a cabeça ao ouvir o relato do Presidente. Depois de ouvir atentamente o homem, apenas uma frase saiu da sua boca: "O poder do conhecimento é a chave da abundância."
O Presidente saiu da casa do Homem Livre frustrado e cabisbaixo. Não sabia pensar, não tinha sido ensinado a resolver problemas. Não entendeu a mensagem do Homem  Livre e deu a viagem como uma perda de tempo. 
Mais tarde, um Indesejado, escolhido entre os seus semelhantes, subiu à montanha e recorreu à sabedoria do Homem Livre. O seu dilema prendia-se com o facto de ser obrigado a resolver o problema dos Perfeitos. Se por um lado não lhe restavam grandes alternativas, pois apenas sabia servi-los, por outro, pensava que a extinção dos Perfeitos podia ser a chave para uma vida melhor para os Indesejados. 
Mais uma vez, o Homem Livre ouviu atentamente tudo o que o escolhido dos Indesejados lhe contou. Respondeu novamente apenas com uma frase: "O ódio não sobrevive sem o amor, o amor não sobrevive sem o ódio."
Sem saber o que pensar, o Indesejado, rumou ao submundo, sem saber o que dizer aos seus semelhantes e desapontado por, mesmo com tanto conhecimento adquirido ao longo dos anos, não entender a mensagem do Homem Livre.
Passaram-se alguns dias e tudo se complicava. Os Perfeitos eram dizimados pela doença e os Indesejados passavam por mais e maiores dificuldades. Se já eram pobres e sem condições de vida, ficavam cada vez mais pobres, mais doentes, mais miseráveis, pois, não tinham a quem servir. O desespero levou muitos ao suicídio. Rapidamente, eram tantos quantos os Perfeitos, que cada vez nasciam em menor numero.
Do alto da montanha, o Homem Livre sabia que tinha que intervir. A maior lição de todas tinha que ser revelada e ensinada em prol da sobrevivência de um país à beira da extinção.
Decidiu mandar chamar os dois representantes. Desesperados, prontamente se apresentaram na sua humilde casa. O sorriso que lhe iluminava o rosto, dava agora lugar a um semblante pesado e sério. Aquele homem tinha uma mensagem importante que podia mudar o rumo da vida de todos.
Encarou os dois homens e disse:
" Se querem sobreviver, não podem continuar separados. Têm que aprender a viver em comum, a unir esforços, a trocar conhecimentos, a trabalharem em conjunto."
O Perfeito disse:
"Mas como? Nós não sabemos trabalhar."
O Indesejado disse:
"Sim e como podemos nós deitar-mo-nos e descansar quando temos tanto que fazer?"
O Homem Livre sorriu de novo e disse:
"Esta é a única formula eficaz para resolver os vossos problemas. A união faz a força, o bem comum é a única meta pela qual vale a pena lutar."
Os dois homens prometeram que iam tentar com todas as suas forças, em prol da sobrevivência. Perguntaram no entanto ao Homem Livre, qual a formula da felicidade. Como tinha ele conseguido ser feliz. Este respondeu:
"Só na Liberdade se encontra a verdadeira felicidade. Por mais difícil que o caminho seja, nunca se desfaçam dela. Sejam livres em tudo o que fazem. Foi precisamente a prisão da mente que vos colocou onde estão hoje. Sejam livres, mesmo que apenas nas vossas mentes. Deixem que a imaginação rebente as amarras e projectem sempre o que mais desejam, nunca o que vos impõem como certo. Esta é a única forma de serem Livres. Esta é a formula da Felicidade."

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Sinto que morri

Sinto que morri
Morri para um mundo que julgava conhecer
Morri antes que a doença me definhasse
Não me deixei apanhar pelo cancro da rotina
Esse "vai-se andando"
O estado putrefacto da coisa arrastada
O lixo que se amontoa debaixo do tapete
Matei esse demónio do mais do mesmo
Nadei para a superfície
Era premente respirar
Era importante fazer diferente
Era imprescindível tentar ser única
Ainda que isso me isolasse
Ainda que morresse de solidão
Antes morta e sem ninguém
Do que infelizmente rodeada de multidões
Estou só tal como nasci
Tal como morrerei
Só e sem legado
Apenas mais uma folha desta árvore imensa
Apenas mais um galho que tomba ao sabor do vento
Apenas isso e mais nada
Não pretendo a felicidade eterna
Não aspiro ao poder desmedido
Não quero as promessas de amor infinito
Quero ser e ser apenas
Respirar de peito aberto
Sem medo de ser diferente
Sem temer o caminho incerto
Antes assim do que acorrentada
Pois a morte tem muitas faces
E a mais cruel é a de viver sem ter vivido