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terça-feira, 22 de maio de 2012

Aventuras e desventuras de um poeta


A vida sempre foi madrasta comigo, mas nunca me desmoralizei com isso. Quem tem o escape da imaginação nunca está só. E no meu mundo, sítio a que alguns chamam de alucinação ou pura maluqueira, sempre consegui ter tudo ou quase tudo o que precisava.
Desde muito novo que sei que o meu cérebro não é igual ao dos restantes mortais. E se não for pela pessoa que sou, é com certeza pelas várias personagens que habitam na minha cabeça e que dão vida ao mundo que entendo ser o meu lar.
E assim vou vivendo os meus dias, na esperança que, seja através de uma ou outra personagem das minhas inúmeras personalidades, haja um vencedor, um artista ou simplesmente um poeta que se destaque no mundo dos outros.
Os outros de que falo, dividem-se em duas espécies destintas: os que são de sangue e os que são de ar. Os de sangue serão todos aqueles que não tive oportunidade de escolher, ou seja, a família. Os de ar, são todos os outros que, conheça pessoalmente ou não, respiram o mesmo ar que eu. Em boa verdade vos digo que entre uns e outros, venha o Diabo e escolha. Não sei qual das duas é mais prejudicial à minha existência. Começo então por descrever os da primeira espécie, os familiares.
Em minha casa vivem cinco pessoas, se excluirmos o cão que muitas vezes é mais bem tratado do que eu. Desta feita, temos a minha mãe, pessoa que mais amo neste mundo, mais que não seja pelo facto de me ter dado à luz. O meu padrasto, pedreiro de profissão e bronco de vocação. O meu meio-irmão, tendo a metade que me tocou, ser a herdada do pai dele. A minha avó materna, surda que nem uma porta, e com a qual só privei de perto desde que teve uma trombose e precisou da filha para ter um tecto, roupa lavada e comida em cima da mesa. O meu padrasto nunca viu com bons olhos o facto da velha morar lá em casa, mas todos os finais de cada mês lá chega mais um cheque que o faz lembrar a razão de a aturar. E claro, eu, o eterno poeta e sonhador que tem que se refugiar num mundo muito próprio para manter o que lhe resta da sua sanidade mental.
Namorada é coisa que não tenho, nunca tive muita vocação nem tempo para arranjar uma. Ou pura e simplesmente, nunca ouve ninguém que me despertasse curiosidade suficiente para andar de mão dada pelo parque. Talvez por isso tenha ouvido muitas vezes o meu padrasto, à hora do jantar, dirigindo-se à minha mãe como se eu não estivesse presente na sala, com a célebre frase “Oh! Glória, aqui o teu filho deve ser panasca. Ai se eu fosse novo, não havia uma que me escapasse!” Sei que este é mais um motivo para me humilhar e encontrar algo que divirta o filho, visto que divide o tempo entre o trabalho, a tasca e os jogos de futebol a que assiste ruidosamente na televisão, não tendo por isso tempo de qualidade com o meu meio-irmão. Mas o que penso que lhe pesa realmente e o que aflige a minha mãe, é o facto de continuar a viver com eles tendo 35 anos de idade.
Não é verdade o que o meu padrasto diz, não sou homossexual. Já tive alguns casos de interacção intima com o sexo oposto, sendo que o último até durou pra cima de três horas. Mas quanto ao constituir família, não sinto necessidade disso. A escrita preenche grande parte do meu tempo e é a minha verdadeira paixão.
Quanto aos amigos, se é que posso chamar o Tó de amigo, é o único que tenho. Somos vizinhos desde que vim viver aqui para o bairro, mas nem sempre fomos amigos. Aliás, quando conheci o Tó a nossa relação era mais ou menos uma troca: ele dava e eu apanhava.
O Tó era daqueles miúdos que gostava de malhar nos outros e quando olhava para mim toda a sua raiva vinha ao de cima. Isto só mudou no dia em que o feitiço se virou contra o feiticeiro e fui dar com ele a levar um tareão de três manfias lá do bairro. Ainda fiquei ali a assistir à cena, por algum tempo, mas quando achei que ele já tinha levado demais, gritei “A policia! Vem lá a polícia!”. Os gorilas correram para safar a pele, deixando o Tó todo amassado, estendido no chão. Claro que não lhe limpei as feridas, ou não fosse a situação uma espécie de vingança, proferida por mãos alheias. Simplesmente virei-lhe as costas e segui caminho.
Depois disto o Tó nunca mais foi o mesmo comigo. Passei mesmo de saco de pancada a protegido. A relação de troca continuou, visto que pagava a minha segurança pessoal com a minha inteligência, ajudando-o com os trabalhos de casa e com explicações para os testes.
Gostava de definir a nossa amizade como dois em um, isto é, eu, o cérebro e o Tó, os músculos. E que boa dupla fazíamos nós, até ao dia em que ele desistiu da escola e foi trabalhar numa oficina. Realmente tudo o que tinha a ver com carros era a verdadeira paixão do Tó desde pequenino. Era isso e as mulheres. De semana a semana tinha uma “garina” nova, como lhes chamava.
Mesmo depois de desistir dos estudos continuámos a sair juntos, coisa que por vezes me desagradava, visto que ele ia sempre acompanhado e eu, segurava na vela. Ou por outra, segurava no bloco e na caneta que sempre me acompanhavam para onde ia, não fosse o momento dar-me uma inspiração divina ou ouvir um sussurro dos falecidos poetas.

(Continua)

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