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Conta-me histórias é um blog onde vos mostro alguns dos meus trabalhos e onde podemos falar de tudo um pouco. Apresenta certos assuntos que acho relevantes e interessantes, sempre aberta a conselhos da vossa parte no sentido de o melhorar. Obrigado pela vossa visita. Fico à espera de muitas mais.

domingo, 27 de maio de 2012

Aventuras e desventuras de um poeta (6ª parte)

A cantiga do bandido era um pouco diferente, mas nem sequer imaginando o que o esperava, tal não era a prepotência.
  - Meu caro, depois de analisar o material que me deixou, posso dizer-lhe que se enganou a respeito do seu amigo. Embora não seja tudo mau, já vi bem melhor.
  - Então acha que não vale a pena ser editado?
  - Temo que não. Ele escreve bem, mas isto está muito visto. As editoras, mais do que nunca, procuram temas fortes e inéditos.
Fui apanhado de surpresa, mas algo me disse que o facto de eu ter comentado que o meu amigo tinha dinheiro, podia ser a razão da nega de Brito. Decidi afastar-me, sem fazer alarido.
  - Bem, confio na sua avaliação, tendo no entanto pena de ser eu o portador de tal notícia. Mas uma pessoa com o seu conhecimento, sabe com certeza do que fala e portanto, só me resta agradecer-lhe o tempo que me dispensou e comunicar-lhe o resultado.
  - Ora essa! Disponha sempre. Um amigo da minha filha, é meu amigo também. E o Jacinto, tem escrito mais coisas?
  - Pouco.
  - Não desista. Sei que tem grande potencial.
Canalha! Aproveitador! Se houvesse justiça no mundo, não sairia impune.
Tinha muitas dúvidas de que o meu plano desse certo, mas não podia desistir. Com um pouco de sorte, ele voltaria a cair na tentação de roubar aqueles poemas também. Deixei-os lá, desta vez, propositadamente.
Antes de sair, perguntei à secretária como podia ter acesso às datas de lançamento dos livros. Deu-me o site da editora e disse que sempre que existisse um livro novo, poderia encontrar lá a data e o local de lançamento.
Dirigi-me a casa. Ao meter a mão ao bolso do casaco em busca da chave, encontrei algo que me fez entrar e sair logo de seguida. O cartão de Marco Ferreira, namorado de Filomena. Não custava tentar novamente. O não, seria sempre garantido.
A editora de Marco tinha um aspecto moderno e descontraído, nada parecida com a de Brito. Dirigi-me à recepcionista que me encaminhou até à sua sala.
  - Como está, Jacinto? Entre, entre.
  - Como está, Marco? Desculpe vir incomodá-lo...
  - Ora essa! Fui eu que o convidei. E então, o que o traz por cá?
  - Bem, como sabe, tenho umas poesias escritas que gostava de ver editadas. Não tenho tido sorte com as outras editoras que tenho procurado.
  - Este é um meio dificíl, mas aqui, se a qualidade se justificar, por norma editamos.
  - A minha maior dificuldade é o factor monetário.
  - Bem, se o seu trabalho for bom ao ponto de merecer a nossa atenção, não precisa de se preocupar com isso.
Fiquei surpreendido com as palavras de Marco, não lhe querendo, no entanto, contar o que se tinha passado com Brito.
  - A Filomena contou-me que mostrou os seus textos ao pai. O que disse ele?
  - Gostou, mas faltou-me o dinheiro para editar.
  - O velho Brito não muda. Conte-me lá, o que foi que lhe fez.
  - O que me fez? Não entendo a pergunta.
  - Deixe-me adivinhar! Disse-lhe que tinha que pagar um balúrdio para editar e você desistiu.
  - Foi mais ou menos isso.
  - E devolveu-lhe os seus originais?
Estava a ficar encurralado com as perguntas de Marco, sem perceber como sabia ele do ocorrido. Será que Brito lhe tinha contado algo?
  - Não.
  - Ah! Ah! Ah! A velha história de bandido. Quase que aposto que os seus trabalhos já estão por aí publicados, com autoria de outro.
Ao ver a minha cara de espanto, explicou:
  - Eu caí na mesma história, há alguns anos atrás. O Brito roubou-me um livro que levei três anos a escrever. Nunca contei a Filomena. Da maneira como gosta do pai, iria sofrer demais. Mas ele começou a intrometer-se no nosso namoro e acabámos por nos separar. Nunca a esqueci e agora, com uma vida mais estabilizada, voltei com o intuito de casar com ela.
Ali percebi que não valia a pena continuar a omitir o que me acontecera.
  - Comigo aconteceu o mesmo. Deixei-lhe os meus textos, disse-me que eram bons, mas a conta que me apresentou para publica-los era demasiado alta. Por isso desisti, até ver os meus poemas num livro assinado por ele. Agora só penso em vingar-me.
  - E como pretende fazer isso? Não tem provas de que aquele era o seu trabalho, pois não? 
  - Não, mas depois disso, deixei-lhe lá mais uns textos e estou à espera que caia na mesma asneira. Se o fizer, tenho uma surpresa preparada para ele.
  - Isso é capaz de demorar algum tempo, ou de nem sequer voltar a acontecer.
  - Sim, eu sei, mas não posso fazer mais nada. Entretanto vou tentando publicar os meus poemas noutros lados.
  - Pois bem, congratulo-o por, ao menos estar a fazer algo. Eu fiquei num estado tal, que não tive reacção para vinganças. Aliás, a minha vingança foi ter vencido no meio editorial e voltar para a filha. Pois bem, vou analisar a sua obra e depois entro em contacto consigo.
  - Muito obrigado, Marco.
Quando perdemos a confiança no ser humano, o nosso ego teima em não gostar de ninguém, mas Marco pareceu-me sincero.
Já tinham passado dois meses desde que tinha deixado os textos com Brito. Todos os dias visitava o site da editora em busca dos lançamentos. Finalmente parecia estar com sorte. No dia seguinte iria ser lançado um livro de sua autoria, num auditório ali perto. Quase nem dormi a imaginar a cara dele, na hora da vingança. Podia dar-se o caso de aquele não ser o meu trabalho, mas tinha que ter a certeza.
Finalmente chegou a hora. Arranjei-me o melhor que pude e dirigi-me ao auditório.
A sala estava cheia de gente. Pelos vistos, Brito tinha um vasto público. O que me deixou um pouco orgulhoso, se tivermos em conta que era o meu trabalho que aplaudiam.
Andei pela sala, bebendo um pouco de champanhe, – posto à disposição dos convidados – sem me dirigir à mesa onde Brito autografava os livros, evitando ser visto por ele. Consegui surripiar um, dei uma vista de olhos. Eram sem dúvida os meus poemas, mais uma vez. A soberba de Brito era tão grande, que pensava mesmo ser imune a qualquer castigo.
De repente, fui surpreendido por Marco, que me deu um toque no ombro. Fiquei um pouco assustado, pois não sabia se pretendia ou não denunciar-me, ou mesmo se já o tinha feito. Fez-me sinal para que o acompanhasse. Segui-o pelo meio da multidão até um canto da sala.
  - Então, é hoje o dia da vingança?
  - Sim. Constatei que afinal Brito não é tão inteligente como pensava. Voltou a publicar os meus textos, assinados por si.
  - O velho não é inteligente, é esperto. Ou pelo menos, pensa que é. Apenas lhe quero dizer que li os seus textos e que estou disposto a editá-los.
  - E quanto é que isso me vai custar?
  - Nada. A única condição é que a editora receberá sessenta por cento das vendas. O lançamento é feito por nós, sem qualquer encargo da sua parte e não terá que adquirir qualquer exemplar. Isto prova, sem sombra de dúvidas, que o seu trabalho é muito bom e que tem pernas para andar, ainda que seja um autor desconhecido. O que me diz? Provavelmente a sua vingança é escusada.
  - Desculpe Marco, mas não. A minha vingança, como lhe chama, tem como objectivo desmascarar este homem e evitar que outros passem pelo mesmo que eu passei. Pensava que o Marco, mais do que ninguém, entenderia isso. Se depois do que se passar aqui hoje, a sua proposta ainda se mantiver de pé, muito bem. Se não, tenho pena, mas não vou desistir do que me trouxe aqui.
  - Compreendo. Muito bem, espero que tudo lhe corra pelo melhor.
Ao vê-lo afastar-se, percebi que estava a desperdiçar novamente a oportunidade de concretizar o meu sonho. Mas a minha condição de fazer justiça falava mais alto.
Depois de autografar uma centena de livros, Brito dirigiu-se a um pequeno palco, a fim de discursar sobre a obra e de agradecer a presença dos convidados. Era chegada a hora de concluir o meu plano.
Agradeceu a presença de todos, enalteceu-se falando da falsa inspiração que tivera ao escrever os poemas e deixou no ar a oportunidade de lhe serem feitas perguntas pelos presentes. Foi então que aproveitei a deixa.
  - Sr. Brito, qual é a sensação de estar a ser aplaudido por um trabalho que não é seu?
Ao encarar comigo, mudou de cor, ficando branco como cal.
  - Desculpe, meu rapaz, mas não entendi a pergunta.
  - Pois eu acho que entendeu muito bem a minha pergunta.
Dirigi-me ao palco, encarando o público que me observava como se eu fosse um extraterrestre acabado de aterrar.
  - Senhoras e senhores, este homem que aqui está, não é mais do que um impostor e estes poemas não são seus.
   - Que ultraje! Como pode acusar-me de tal injúria? Espero que tenha provas do que diz, meu rapaz.
  - Esteja descansado Sr. Brito. Desta vez fiz os trabalhos de casa e posso afirmar que estes poemas estão registados em meu nome, como autor. Esta é a verdade. Estes são os meus poemas.
  - Não sei o que pretende com tamanho circo, mas isto não vai ficar assim. Vou processá-lo por difamação, provarei que as suas afirmações são falsas, em tribunal. A não ser que você não tenha dinheiro para um advogado. Nesse caso, resta-lhe apenas pedir desculpa a toda esta gente e acabar com as difamações, em busca de lucro fácil.
Foi nesse momento que percebi onde me tinha metido. Era certo que tinha posto toda a minha energia na vingança, sem ter pensado nas consequências.
Mas, o milagre aconteceu. Marco levantou-se, caminhou na direcção do palco e disse:
  - Não se preocupe com isso. O meu advogado representará Jacinto, para provar o que diz.
Nesta altura Brito estava roxo de raiva. Marco sabia o seu segredo e, tal como eu, queria justiça. Saímos dali, deixando todos boquiabertos, sussurrando comentários. Mesmo que aquilo não desse em nada, já valia o esforço por ter visto Brito tão aflito. Marco ligou prontamente para o seu advogado e no dia seguinte tive uma reunião com ele.
  - Sr. Jacinto, embora o Marco já me tenha posto ao corrente da situação, gostaria que me contasse a sua versão dos acontecimentos.
Contei toda a história sem ser interrompido, até à parte em que parti a montra da editora.
  - Bem, – disse o advogado – isso pode ser mau para si. Existem testemunhas?
  - Penso que não. Pelo menos nunca fui procurado por isso.
  - De qualquer forma, se foi apresentada queixa na policia, e acredito que foi, o Sr. Brito pode alegar que você partiu o vidro e entrou, roubando os textos que diz serem seus.
  - Mas eu não entrei lá, apenas parti a montra. E além disso, nessa altura ele ainda não tinha os segundos textos.
  - Pois, mas você não tem provas disso.
  - Nem ele tem provas de que fui eu que parti a montra.
  - Estou apenas a dizer-lhe que isto pode vir a ser mencionado em tribunal e que você tem que ter um álibi consistente. Se eu fosse a si – e agora falo como seu amigo e não como seu advogado – mantinha a história, dizendo que fui ao cinema com os meus amigos. Acha que os seus amigos são pessoas para testemunharem por si?
  - Acho que sim.
  - Então ficamos assim. Naquela noite você foi ao cinema com os seus amigos e depois do filme, regressou a casa.
Claro que quando pedi ao Tó para ser minha testemunha, logo se prontificou a ajudar.
O tempo foi-se arrastando e a justiça tardava em chegar. Não que isto fosse uma novidade no nosso país.
O que me mantinha mais confiante no futuro era o facto de ter finalmente editado os meus poemas. Na noite do lançamento do livro estava tão feliz que o coração parecia não me caber no peito.
Como sabem, não tenho muitos amigos, por isso fiquei abismado quando vi tanta gente a querer um autógrafo de um anónimo. Tudo, claro está, proporcionado por Marco que, além de ter feito uma excelente publicidade ao livro, convidou toda a gente que conhecia para o evento.
A vida começava a sorrir finalmente.
Comecei a receber algum dinheiro pelas vendas. Claro que não fiquei rico, mas sabia bem receber aquele dinheiro, vindo de pessoas que apreciavam o que mais gosto de fazer.
Cada vez que havia uma sessão no tribunal, até as unhas dos pés se me eriçavam. E a última foi com certeza a pior de todas. O Tó tinha ido depor. Ele estava nervoso, mas eu ainda estava mais. Mentir nunca foi o meu forte e tinha medo que Tó fosse apanhado nalguma rasteira.
  - Sr. António, é verdade que na noite de 30 de Outubro de 2009 o senhor foi ao cinema com o Sr. Jacinto e a sua namorada da altura, D. Marisa.
  - É, sim.
  - E que filme foram ver?
  - Um filme de acção, mas não me recordo do título.
  - Claro, já passou algum tempo. No entanto, estranho a sua resposta, tendo em conta que o Sr. Jacinto disse ter ido assistir a uma comédia.
  - Bem, eu estive mais tempo a namorar do que...
  - Não precisa de se justificar, Sr. António. Já todos perceberam onde quis chegar. Não tenho mais perguntas.
O juiz pediu um intervalo de uma hora para tomar a sua decisão.
Fomos os quatro, o advogado, Marco, Tó e eu, até ao café mais próximo do tribunal, fazer tempo.
Pensava que o testemunho de Tó podia ter posto tudo em causa, mas o advogado não via assim. Dizia que enquanto não existisse uma prova concreta do meu envolvimento no roubo dos textos, existia sempre uma dúvida razoável e portanto nada poderiam fazer contra mim.
Aquela era uma hora que mais parecia um século. Os meus nervos já se enervavam a eles próprios, tinha uma secura na garganta, como se a água do meu corpo estivesse a ser sugada e concentrada nas palmas das mãos, que transpiravam abundantemente.
Qual seria o veredicto do juiz? Será que finalmente se faria justiça ou será que tudo aquilo tinha sido uma grande perda de tempo?

(Continua)

(Imagem retirada da Internet)

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