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Conta-me histórias é um blog onde vos mostro alguns dos meus trabalhos e onde podemos falar de tudo um pouco. Apresenta certos assuntos que acho relevantes e interessantes, sempre aberta a conselhos da vossa parte no sentido de o melhorar. Obrigado pela vossa visita. Fico à espera de muitas mais.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Aventuras e desventuras de um poeta (4ª parte)

Duas semanas passaram e eu já não sabia o que fazer. Tinha medo de ligar para a editora, sob pena de mostrar desespero, mas achava que já era hora de ter uma resposta. Nem que fosse uma negativa.
Sempre que perguntava algo disfarçadamente a Filomena, não obtinha nenhum resultado, o que cada vez mais me levava a pensar que aquilo não ia dar em nada. E lá começava o diálogo na minha cabeça, e desta vez o pessimismo estava a ganhar: afinal, com tantas pessoas a escrever, o que me levava a pensar que eu tinha o que era preciso?
Estava eu no meio destes tristes e desanimadores pensamentos, quando o telefone tocou. Levantei-me contrariado, pensando tratar-se de Filomena, pela 46ª vez.
  - Tou.
  - Estou, sim. Jacinto?!
  - Sim, o próprio.
  - Daqui fala Brito. Como está?
O meu dia voltou a iluminar-se.
  - Sr. Brito! Como está? Pensei que se tivesse esquecido de mim.
  - Longe disso, meu amigo. Sabe como é, ando sempre muito ocupado, mas isso agora não importa. Li o seu trabalho e acho que tem potencial para ser publicado. O que me diz de passar pela editora, para acertarmos os pormenores?
  - Claro que sim! E quando?
  - Bem, ainda é cedo. Lá para as três e meia, parece-lhe bem?
  - Sim, claro. Parece-me muito bem. Até lá, então e muito obrigado.
A minha vida tinha dado finalmente a volta. Tudo iria correr sobre rodas daqui para a frente. Agora já não existiam dúvidas sobre a qualidade do meu trabalho.
Tinha que escrever algo, a inspiração parecia ter voltado em força. É estranho como os momentos mais felizes, bem como os mais infelizes, me fazem sempre pegar na caneta e no papel para aliviar o que transborda da minha alma.
Antes da hora marcada já tinha o meu bloco quase esgotado de tanto escrever, mas foi uma boa terapia para acalmar os nervos. O que dizer? Há quem beba, há quem fume, há até quem faça yoga, eu escrevo.
Depois da reunião, ao contrário do que sentia ao chegar, a sensação era de derrota, como se tivesse morrido na praia, depois de ter atravessado o Oceano Atlântico. A única coisa boa de tudo o que ouvi, foi o facto de terem gostado do que escrevi. Quanto ao resto... bem, quanto ao resto só vos posso dizer que o povo é o mais sábio de todos os sábios, traduzindo as verdades em provérbios conhecidos de todos nós. Tais como: “Quando a esmola é grande, o pobre desconfia”, “O pão do pobre quando cai é com a manteiga para baixo” ou “Pau que nasce torto, tarde ou nunca se endireita”.
Resumindo, a proposta do Sr. Brito era a seguinte: a modo de poder editar um livro com os meus poemas, teria de ser assinado um contrato onde eu tinha que adquirir duzentos exemplares de um primeira edição de quinhentos, a um preço de oito euros cada, o que perfaz o valor de mil e seiscentos euros.
O livro seria vendido ao público pelo valor de dez euros. Os trezentos livros que restavam, seriam postos à venda em livrarias, dos quais eu receberia os direitos de autor a quando das vendas, no valor de dez por cento do preço do livro.
Receberia um euro por cada livro vendido. E ainda ficaria com duzentos livros em mãos, que poderia vender no dia do lançamento, situação pouco provável.
Claro que assim que ouvi da boca do meu “futuro sogro” o valor de mil e seiscentos euros, foi como se tudo não passasse realmente de um sonho, do qual eu tinha sido acordado pelo som de uma qualquer alvorada de quartel.
Na minha mente não havia muito espaço para fazer as contas reais, mas algo me disse naquele instante, que o contrato não era muito justo para com o autor e era vantajoso para a editora. Confrontei-o com isso e com o facto de não possuir tanto dinheiro para investir, ao que me respondeu que visto ser um autor desconhecido, a editora não podia correr riscos.
Lamentou que não pudesse prosseguir com a edição, mas que era a única maneira de o fazer. Lamentou ele e lamentei eu, ter-me dado a tanto trabalho para nada.
Foi então que tive uma catarse: aquilo mais não era, do que carma. Usei alguém para atingir os meus objectivos e estava agora a ser usado por outrem. Bem feito para mim, por brincar com os desígnios de Deus.
Mais uma vez voltei à estaca zero e desta vez com um bónus agarrado ao pescoço. Filomena parecia nem reparar na minha tristeza e eu não sabia como acabar com o namoro. Era quase como se eu devesse continuar com ela, para assim pagar o mal que lhe fazia. De qualquer forma, já nem me esforçava para arranjar um plano de acabar com tudo. Não tinha cabeça para isso, nem para nada.
O desânimo era tal que já não vivia, mas sim sobrevivia, arrastando-me para o trabalho, para casa, para ir ter com ela, para tudo, como um zombie.
Mas até Filomena me abandonou. Facto pelo qual devia ter sentido alívio, mas não foi o que sucedeu.
  - Preciso muito de falar contigo. - Disse-me ela um dia.
  - O que se passa? Se é outra vez sobre casamento, digo-te o mesmo que te disse antes: é cedo demais.
  - É sobre casamento, mas não contigo.
  - Como assim?
  - Bem, isto é muito difícil para mim, mas tenho que ser tão correcta contigo, como sempre foste comigo.
“Ai, se tu soubesses!”
  - Eu tive um namoro há uns tempos atrás, que durou alguns anos. Acabámos, porque o meu pai dizia que ele só tinha interesse em mim por causa da sua editora. Sabes, ele era escritor.
Enquanto ouvia aquela história tão parecida com a minha, engolia em seco, tentando fazer um ar compreensivo.
  - Pois bem, voltámos a encontrar-nos e ele é agora dono da sua própria editora, razão pela qual esse problema do meu pai, deixou de existir. Ele diz que nunca me esqueceu e que quer casar comigo. E eu, por muito que me custe dizer-te, ainda o amo.
Eu estava abismado. Tinha à minha frente o final ideal para saltar fora do relacionamento com ela, mas inexplicavelmente, estava danado. Sentia-me o mais traído dos homens.
  - E só ao fim deste tempo todo é que me dizes isto? O que queres que faça agora, com todos os sonhos e planos que tinha? O que faço agora da minha vida?
  - Desculpa, mas também nunca pensei que gostasses assim tanto de mim para ficares nesse estado. De qualquer forma não seria justo, nem para mim e muito menos para ti, que eu te enganasse, estando contigo e gostando de outro.
Eu ouvir aquelas palavras, percebi que tudo o que eu sentia nada tinha a ver com Filomena, mas sim com o pai dela. Tudo o que lhe disse, era ao pai que estava a dizer. No meu íntimo sabia que ela tinha razão, e tinha com certeza todo o direito de ser feliz. Ela, mais do que ninguém, tinha esse direito. Era eu o miserável, era eu o traidor. Caindo em mim, sorri-lhe e disse:
  - Tens razão. Tu mereces toda a felicidade do mundo. E por gostar tanto de ti, só posso deixar-te ir e ordenar-te que sejas a mais feliz das mulheres.
Não se riam. Eu aprendera realmente a gostar de Filomena e tudo o que dizia era sentido. Ela fez-me uma festa no rosto e disse com voz doce:
  - Meu poeta. Eu sabia que tu ias entender. Nunca te esquecerei e espero que possamos ficar amigos.
  - Claro que sim. Nem eu permitiria que fosse de outra maneira. Mas com uma condição.
  - Qual?
  - Que me convides para o casamento.
  - Considera-te convidado.
Depois de um terno e longo abraço, de duas pessoas cujas almas ficariam ligadas para sempre, nem sempre pelas melhores razões, despedimo-nos.
Mas se pensam que a minha história com esta família fica por aqui, estão enganados.
Como diz, mais uma vez acertadamente, o povo, “o Mundo é pequeno”, e para mim tem dias que parece mais um penico. É redondo, levando-nos em espiral sempre ao mesmo sítio e mostrando as “cagadas” que fazemos com ou sem intenção.
Realmente estava a atravessar um dos piores momentos depressivos da minha vida. Talvez estivesse a exagerar, visto que a perda de um pai não se podia comparar à perda de um sonho. Não era a pior depressão, mas sem dúvida, uma das piores recaídas desta doença que se esconde por detrás de cada acontecimento, em busca de se alimentar de mim nos momentos de fragilidade.
Caí num buraco escuro onde a luz do sol era impenetrável. Tudo parecia morto e sem vida, igual a tudo o resto, demasiado visto, demasiado banal. Já nem o papel me confortava, pensando cada vez mais que não existia razão para continuar a lutar para me manter à tona.
Podem achar tudo isto exagerado da minha parte, afinal foi apenas uma impossibilidade. Não era que a minha escrita fosse má, apenas os meus bolsos que estavam vazios, deixando assim tudo por fazer.
O facto de estar sozinho nesta luta também me dava tendência ao isolamento, como se progressivamente deixasse de comer, até o apetite desaparecer de vez. Tinha alturas de apatia, que se tornavam em fúrias, que se tornavam em pranto e que acalmavam em suspiros de cansaço.
Não, não era apenas o que tinha acontecido. Era um conjunto de situações que vinham a acumular-se ao longo de muitos anos. Isto tinha sido apenas a gota de água que fez o copo transbordar.
Algo precisava de ser feito. Algo tinha que mudar em mim. Só assim o mundo à minha volta poderia também mudar. Comecei por tentar sair para evitar o isolamento que me consumia. Claro que o Tó era a minha companhia, visto não ter mais amigos. Embora não tivéssemos gostos parecidos, sempre que saíamos juntos, pelo menos distraía-me um pouco dos meus problemas. Combinámos ir ao cinema.
O centro comercial estava cheio de gente, ou não fosse sexta-feira à noite e fim do mês. O Tó foi comprar os bilhetes enquanto eu dava uma vista de olhos pela livraria.
Foi então que o vi...

(Continua) 

(Imagem retirada da Internet)

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