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domingo, 23 de outubro de 2011

Violência (de)mente


Finalmente saiu. Por alguns minutos, por algumas horas, nunca se sabe ao certo. A única certeza é a de uma paz podre e ansiosa, da qual não se sabe nada. Apenas que durante os minutos ou as horas da sua ausência, se pode deixar de suster a respiração, na esperança vã de suportar mais um dia.

Nem sempre foi assim. Existiu um tempo em que a sua partida, por breve que fosse, prometia abandono e desespero. Nesse tempo, o bater da porta implicava sempre uma despedida agonizante, um implorar ridículo para que ficasse, só mais um minuto, só mais uma hora, só mais uma noite. Sem saber, estava a depositar nas suas mãos o poder que me restava. Inocentemente pensava que a triste figura da chantagem emocional era uma arma minha, nunca desconfiando que era uma faca de dois gumes. Entrei no jogo, pensando possuir a fórmula mágica de prender alguém, apenas pela necessidade que sentia de o ter a meu lado, de o amar.

Muito se fala da violência doméstica e das marcas físicas deixadas por quem usa da força para subjugar o seu parceiro. Raramente se fala de um tipo de violência subtil e matreira que se instala quase sem se dar por isso, mas que deixa marcas invisíveis a olho nu. O poder da mente pode matar.

Começa com uma discussão, por um motivo ridículo e forçado. O predador fica sempre no controle da jogada, observando a presa, antecipando as suas reacções. Por norma, o predador tem sempre resposta e pergunta para tudo, visto que o seu principal objectivo é de baralhar e confundir a presa, forçando-a a sentir culpa, medo, rejeição e acima de tudo a exterminar a fraca auto estima que possui.

O que pretende? Nada. Apenas a satisfação de poder humilhar, massacrar e reduzir o seu alvo a uma condição longe da humana, somente porque pode. Ou porque simplesmente a presa se deixa apanhar, sem forças para se soltar de uma teia bem estruturada, que se torna o seu modo de vida. Todos os dias, sem excepção, a presa é confrontada com os seus erros, com os seus defeitos e mesmo as suas qualidades são escarniadas e ridicularizadas, lembrando constantemente que tudo o que é, não chega para ser alguém.

É assim, bem devagarinho que tudo começa. Esta realidade torna-se mais assustadora quando envolve as crias. Neste caso, a presa tem que se manter atida à sua condição, não porque quer, não porque não tem forças para se libertar, mas sim porque alguém que depende de si, entrou neste jogo sujo e desonesto.

Por isso, quando sai, já não é com mágoa que o vejo partir. Apenas me invade uma sensação de liberdade, que não dura, mas alivia. Para trás deixa uma vontade louca de, ao voltar, apenas encontrar as paredes desta casa, que não consigo aceitar como minha. Seria a minha vingança. Uma tolice que me encheria de orgulho, pois traria novas oportunidades de ser feliz.

Já o amei. Sei que já o amei. Numa altura em que ingenuamente pensava que o amor chegava. Não me recordo o que foi que me fez amá-lo tanto. Amá-lo ao ponto de lhe dar a chave, para que me roubasse o pouco que possuo. Talvez seja o facto de não saber amar.

A prisão desta relação acaba com a minha vida. A vontade de me levantar todas as manhãs é a mesma de me dirigir a uma forca. Não, não penso em suicídio. Ou melhor, já pensei, mas não encontro razão para o fazer. Os meus filhos relembram-me todos os dias, a razão de continuar viva. São a melhor ironia do meu destino, as âncoras que me mantem presa a esta realidade e ao mesmo tempo, as mãos que me salvam do abismo.

Acredito que nada acontece por acaso e que tudo o que se cruza no nosso caminho traz ensinamento. Mas ainda não sei que lição tirar de uma relação que apenas me causa sofrimento e que me suga a alma. Terei que fugir? Terei que ficar e cumprir a pena? Mas que raio de pena é esta que não teve direito a julgamento e que não informa sobre o crime cometido? Que crime cometi eu para ser torturada no anonimato, sem hipótese de defesa? Quem foi que nomeou este carrasco sem piedade, que espera que me erga, para logo me desferir mais um golpe certeiro, que deita por terra toda a minha identidade. Já não sei quem sou. Será que algum dia soube? Será que sou o que ele diz, ou sou o que a minha alma grita?

A minha alma. A minha essência. Aquilo que apenas pode ser revelado nas folhas de um qualquer papel, ou no teclado do computador. Nenhum ser humano poderá sentir ou ver a minha verdadeira essência. A desconfiança que existe no meu coração, não permite esse tido de abertura. Não permite que me mostre, sob pena de ficar no lugar de presa, mais uma vez. E assim se fecha a concha, assim se volta à origem. Aqui, neste sitio calado e solitário que nos permite falar com Deus, na esperança vã de uma qualquer resposta.

Gosto cada vez mais deste silêncio. Deste espaço no tempo que me permite ser apenas, sem medo de acusações ou de alguém eu aponte os meus defeitos. Gosto do que o isolamento da raça humana me dá. Pensando bem, é assustador gostar tanto de estar isolada. Mas olhando em redor, tirando as âncoras, tudo o resto me parece morto e sem graça.

Há quem diga que as qualidades estão lá, mas esses apenas me aliviam a dor em forma de pequenos balões de oxigénio que depressa se esgotam. Viveria melhor se o fizesse na ignorância, mas sei que mente quando me diz que não valho nada. Sei que apenas me quer ferir quando diz que não presto. Sei que usa a arma da infelicidade para me tentar tapar os olhos. E assim, torna-se mais doloroso, como se tivéssemos tido um acidente grave de viação e estivéssemos conscientes de tudo, o tempo todo.

Depois das suas investidas, resta pouco de mim. As dores da alma transformam-se em físicas, dificultando ainda mais o regresso à vida. Por sorte ou por pena, existem pequenos intervalos entre uma e outra. Nesses rasgos de tempo, volto a escrever, volto a sentir algo cá dentro que preciso desesperadamente de deitar cá para fora. Como se tivesse tomado um purgante, seguido de uma grave crise de verborreia.

E assim vão passando os minutos, as horas, os dias, os anos…

O relógio não pára, mas sinto que o tempo se esgota.


















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