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Conta-me histórias é um blog onde vos mostro alguns dos meus trabalhos e onde podemos falar de tudo um pouco. Apresenta certos assuntos que acho relevantes e interessantes, sempre aberta a conselhos da vossa parte no sentido de o melhorar. Obrigado pela vossa visita. Fico à espera de muitas mais.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Nem só de pão vive o homem

Todos os dias passava pelo átrio daquela igreja e via à porta, sentado nos degraus um homem de meia idade, barba e cabelo comprido, roupa gasta e suja, evidenciando a sua condição de sem abrigo. Muitas vezes dei por mim a pensar o que teria levado aquele homem, como tantos outros, a chegar aquela situação. Onde estaria a sua família? Será que tinha família? E se a tinha, que conjunto de situações poderiam ter levado aquele homem a viver na rua, dependente das esmolas alheias e sujeito aos maus tratos duma sociedade que condena pessoas que não têm vidas ditas normais? Passei por ele vezes sem conta e sempre que o fazia, sem saber porquê tinha vontade de o abordar. De pelo menos lhe perguntar o seu nome, de saber se existia algo que eu pudesse fazer para o ajudar. Não como uma "caridadezinha" que me abriria as portas do céu, mas sim como um ser humano que reparou no sofrimento de outro, não podendo manter-se indiferente a tal. Estávamos em Janeiro, num dia que era já noticia nos jornais como o dia mais frio do ano. Mais uma vez, ao regressar do trabalho, encontrei o homem, como sempre, sentado nas escadas da igreja, esfregando as mãos cheias de nada, esperando por coisa nenhuma. Dessa vez, perdi a vergonha e o medo de ser mal interpretada e dirigi-me a ele. Sem saber muito bem como o abordar, perguntei-lhe se gostaria de me acompanhar à pastelaria em frente, a fim de comer alguma coisa. Disse-me que gostaria muito, mas que não lhe era permitido entrar na pastelaria, sob pena de ser corrido, devido ao seu aspecto. Reparei que, por de trás da barba e cabelo compridos se escondiam uns enormes olhos azuis, que teimavam em fixar o chão sem me encarar. A vergonha era um traço visível na sua expressão. Mas mesmo no estado mal tratado em que se encontrava, conseguia perceber que era um rosto bonito. Disse-lhe que voltaria e caminhei para a pastelaria. Quando regressei para junto do homem com o saco que continha sopa, sandes e sumo, fui recebida com espanto, como se o facto de eu voltar e ainda por cima com uma refeição para si, fosse uma coisa impossível de acontecer. Ao pegar no saco, olhou-me nos olhos pela primeira vez e chorou. Disse - "Muito obrigado! Não acredito que se tenha dado a todo este trabalho por minha causa. " Perguntei-lhe como se chamava. Respondeu que se chamava Rogério. Depois,...bem... depois foi quando aconteceu o que ainda hoje não consigo explicar. Senti-me subitamente invadida por uma necessidade enorme de abraçar aquele desconhecido. Fiquei emocionada com o facto do meu acto, sendo tão pequeno e banal, o mínimo que alguém faria, pudesse ter tido um impacto tão grande em Rogério. Sim, abracei-o, um desconhecido que precisava desesperadamente de um abraço, que estava sujo e rendido ao seu triste destino.  E sabem que mais, senti naquele momento que ganhei mais do que aquilo que dei. Não sei explicar porquê, mas foi com esse sentimento e com algumas palavras de conforto que deixei Rogério. Quando penso neste episódio, pergunto onde estará ele neste momento? Será que fez tanta diferença para ele como fez para mim aquele abraço? Será que por breves momentos, fomos apenas dois seres iguais, sem preconceitos, apenas unidos pela necessidade de dar e receber carinho e compreensão? Seja como for, para mim foi com certeza uma das experiências mais marcantes da minha vida. Foi nesse momento que o provérbio "nem só de pão vive o homem" fez sentido para mim.

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